Bastava surgir, numa conversa entre amigos, o assunto “viagens recentes” para que eu já temesse uma certa pergunta, das mais perturbadoras. E ela sempre vinha. Era só descobrirem que sou uma viajante frequente para, infelizmente, me endereçarem a tal da questão: “Qual é o melhor lugar que você já foi?”. E, com a voz e a cabeça mais baixas e uma evidente vergonha na cara, respondia: “Não sei”. Ainda tentavam me ajudar ou, talvez, pressionar: “Mas você já foi a tantos lugares incríveis! Como não sabe?”. É, não sabia mesmo. E mudava de assunto.
Mas, alguns dias atrás, me obriguei a conseguir a resposta. E não foi reservando um domingo para horas de pensamentos, reflexões e lembranças. Foi durante a semana mesmo, na maior pressão. Resolvi fazer um adesivo decorativo para as paredes lá de casa, com o desenho de uma placa indicando as minhas cinco cidades preferidas (bom, cinco é mais fácil do que uma).
Tive que escolher as minhas cidades prediletas do mundo na maior pressão. Sem tempo para horas de pensamentos, reflexões e lembranças.
A atendente parecia me forçar a ter logo a lista: “Escreva suas cidades prediletas”, dizia ela em um chat via internet. Tudo rápido assim, sem tempo para pensar. De sopetão, como aquela inspiração que surge do nada e deve ser aproveitada, escrevi então as cinco melhores viagens que, em fração de segundos, apareceram no setor de lembranças da mente.
Com o orgulho de quem finalmente venceu um desafio pessoal, fui logo contar a escolha a uma amiga. “Essas cidades? Mas por quê? Elas não têm nada de especial”, perguntou-me. Precisei desse empurrãozinho durante um projeto de decoração para descobrir que os lugares favoritos neste mundão com infinitos pontinhos no mapa não são os hotéis cinco estrelas com piscina de borda infinita e vista para um mar azulado. Nem os bangalôs com piscina privativa e muito menos o all inclusive de lagostas, caipirinhas e sushis.
As viagens mais especiais foram aquelas em que o chinelo foi usado todos os dias e o salto alto para as festas grã-finas ficou em casa. O conforto das camas espaçosas dos hotéis foi trocado por noites maldormidas, seja por causa dos beliches desconfortáveis dos albergues ou das festas em que a gente nem lembra da necessidade de dormir. Os melhores lugares foram também aqueles em que não fez falta voltar para casa sem uma mala recheada de compras. A bagagem veio com pessoas que cruzaram o caminho e que em poucos dias já eram chamadas de amigas. Essas sim tornaram-se melhores lembranças do que aquela blusa comprada em um shopping qualquer.
O conforto das camas espaçosas dos hotéis foi trocado por noites maldormidas, seja por causa dos beliches desconfortáveis dos albergues ou das festas em que a gente nem lembra que em algum momento é preciso dormir.
Na lista que sob pressão consegui produzir, uma das cidades que fazem parte está, de avião, pertinho deSão Paulo. Não é um lugar desconhecido e pode ser banal para alguns: o Rio de Janeiro, que me recebeu em tantos carnavais, réveillons e em prosaicos fins de semana. Provocou encontros e desencontros e bolhas nos pés como marca das andanças em busca de cachoeiras. Lá, o rímel estava sempre borrado, culpa de um mergulho não programado no mar, do choro de uma emoção ou da chuva que desabou e eu nem liguei. Valeu muito mais a maquiagem desmontada do que ter mantido a chapinha impecável numa festa qualquer.
A descoberta do óbvio – de que os melhores lugares são aqueles com memórias imbatíveis – rendeu uma consumidora a menos para a loja. Aboli a missão de comprar o tal do adesivo decorativo. Porque boas memórias não se restringem a apenas cinco lugares visitados. Elas são suscetíveis a substituições e, por isso, não podem estar fixas, estampadas numa parede.