Tentava esquecer da fome quando entrei tarde da noite para a última diária no meu hostel de Yangon, a maior cidade de Myanmar. Pedi um milkshake, e com esforço desgastante na mímica, fiz questão de que me mostrassem se o leite era longa vida, se estava sendo servido de uma caixa fechada e há quanto tempo estava na geladeira.
É que a opção gastronômica lá perto tinha sido um mercado de comidas na rua, onde além de frango frito com algumas moscas em cima, a única coisa identificável foram os caramujos cozidos vivos em uma panela. Enquanto tomava meu milkshake junto com mais três mochileiros, a recepcionista me entregou uma carta com o meu nome:
“Natália, bem vinda à Belmond. Amanhã cedo você embarca no cruzeiro em Mandalay, Quando chegar ao aeroporto rumo a Mandalay, não se preocupe com nada. Nossos funcionários farão o check-in, lhe entregarão a passagem e você nem precisará mais ver a sua mala. Como o voo parte cedo, recomendamos que peça que o seu hotel prepare um kit com um café da manhã adiantado”, dizia a carta aos turistas que pagam o preço de US$ 1.650 para três noites na embarcação.
Eu lia aquelas palavras no hotel que me custou US$ 21 por três noites antes de seguir para o meu quarto/cabine, onde cabia ou a mala, ou a cama ou eu, com o meu 1,53 cm de altura. As noites seguintes, entretanto, seriam em uma suíte para dois em que caberiam tranquilamente quatro, com bebidas à vontade e, enfim, um buffet de comidas apetitosas.
O mesmo me aconteceu no Vietnã, nesse mesmo período em que mesclei a viagem da Natália em férias com a viagem da Natália jornalista de turismo, numa insana transição entre duas realidades. No quarto do hostel de Hoi An, coloquei um vestido longo, fiquei na ponta dos pés para fazer uma bonita maquiagem em um espelhinho de uns 5 cm de diâmetro, torci para que o salto alto combinasse com o vestido e corri para o táxi, fugindo da fumaceira do churrasco que o pessoal fazia no térreo do hostel.
O mesmo me aconteceu no Vietnã, nesse mesmo período em que mesclei a viagem da Natália em férias com a viagem da Natália jornalista de turismo, numa insana transição entre duas realidades”
“Junte-se a nós”, diziam os hóspedes descalços comendo espetinhos com a mão.
Neguei, porque o meu jantar seria com o gerente do novo Four Seasons da cidade, em um restaurante com vista para uma piscina de borda infinita e o mar. Lá, nada de palitos de churrasco.
A atendente veio à minha mesa com uma caixa com uns seis tipos de hashis, para que eu escolhesse o design que mais me agradasse. Depois do cheesecake de coco, os funcionários solicitaram um táxi, que me deixou onde me aguardavam a amiga brasileira e o amigo espanhol que viajavam há seis meses pela Ásia com uma mochila nas costas: era um boteco vietnamita com a cerveja mais barata da cidade: uma garrafa de 600 mL saía o equivalente a R$ 1.
Ficamos por lá até vir a chuva, no meio da madrugada. Com o meu vestido longo e o meu salto alto, tentava caminhar na escuridão pelas ruas arenosas em direção ao hostel, cuidando para não enlamear o vestido. É que ele tinha sido reservado como o figurino para a minha volta ao Brasil na classe executiva da Emirates Airlines.